O habeas corpus é um tipo de processo que
só serve para proteger o direito de ir e vir das pessoas sempre que esse
direito tenha sido ferido ilegalmente (ou com abuso de poder) ou esteja
ameaçado de sê-lo. Ele existe para isso.
O habeas corpus
é o mais básico dos processos porque ele protege o mais básico dos direitos: a
liberdade pessoal. Ninguém pode exercer os outros direitos se seu direito de ir
e vir está sendo ameaçado ilegalmente ou com abuso de poder. É por isso, por exemplo,
que você sequer precisa de um advogado para propor um habeas corpus e porque os
magistrados devem sempre dar prioridade aos habeas corpus quando forem decidir
qual processo devem julgar primeiro.
E de onde veio
essa expressão latina que continuamos a usar até hoje? A expressão (que
significa algo como ‘apresentem o corpo/pessoa’) veio da ordem que os reis
ingleses davam aos magistrados, xerifes e senhores feudais que haviam prendido
alguém para que apresentassem a ele (ao rei) a pessoa que alegava ter sido
presa indevidamente, pois ele (o rei) julgaria se tal prisão fora devida ou
não. Em outras palavras, era uma ordem para que o preso fosse apresentado ao
rei para que ele pudesse ouvir o preso e saber se este estava sendo detido
ilegalmente, em vez de ouvir apenas a versão de quem havia efetuado a prisão.
O instituto
do habeas corpus chegou ao Brasil com D. João VI, no
decreto de 23 de maio de 1821: “Todo cidadão que entender que ele, ou outro,
sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem direito de
pedir uma ordem de habeas corpus a
seu favor". A Constituição Imperial o ignorou, mas foi novamente incluído
no Código de Processo Criminal do Império do Brasil, de 1832 (art. 340) e
foi incluído no texto constitucional na Constituição Brasileira de
1891 (art. 72, parágrafo 22). Atualmente, está previsto no art. 5°, inciso LXVIII,
da Constituição Brasileira de 1988: "conceder-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder".
O habeas
corpus pode ser liberatório, quando tem por âmbito fazer cessar
constrangimento ilegal, ou preventivo, quando tem por fim proteger o
indivíduo contra constrangimento ilegal que esteja na iminência de sofrer.
A ilegalidade
da coação ocorrerá em qualquer dos casos elencados no art. 648 do Código de
Processo Penal Brasileiro, quais sejam:
I - Quando não
houver justa causa;
II - Quando
alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III - Quando
quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - Quando
houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - Quando não
for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a
autoriza;
VI - Quando o
processo for manifestamente ilegal;
VII -
Quando extinta a punibilidade.
O habeas
corpus é um tipo de ação diferenciada de todas as outras, não só pelo
motivo de estar garantida na Constituição Federal, mas também porque é garantia
de direito à liberdade, que é direito fundamental, e por tal motivo é ação que
pode ser impetrada por qualquer pessoa, não sendo necessária a presença de
advogado ou pessoa qualificada, nem tampouco de folha específica para se
interpor tal procedimento, podendo ser, inclusive, escrito à mão.
É plenamente
cabível a concessão de liminar em habeas corpus, tanto na hipótese
de habeas corpus preventivo, bem como, na hipótese de habeas
corpus repressivo. Basta que estejam presentes os requisitos do periculum
in mora (probabilidade de dano irreparável à liberdade de locomoção) e
do fumus boni juris (elementos da impetração que indiquem a
existência de ilegalidade no constrangimento).
Tal pedido
liminar deve ser feito quando da impetração do writ de habeas
corpus (O vocábulo writprocede do direito inglês, significando uma ordem.
Assim, é de fácil entendimento que o writ é um mandamento, uma ordem, para que
a autoridade competente cumpra a lei, faça ou deixe de fazer alguma coisa;
mandamento este proferido pelo órgão jurisdicional).
É importante
frisar que, como já exposto, por ser a liberdade direito de suma importância e
garantido pela Constituição brasileira, os tribunais devem analisá-lo com o
maior rigor e agilidade para que nenhum dano à pessoa seja causado por atos
ilegais ou excessivos.
Ressalta-se que,
via de regra, a parte que interpõe a ação de habeas corpus não
é a que está sendo vítima da privação de sua liberdade, e sim, um terceiro que
o faz de próprio punho. Porém, o habeas corpus pode ser impetrado por qualquer
pessoa, em seu próprio favor ou em favor de outrem, como prescreve o artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição
Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988: "são a todos
assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito
de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade
ou abuso de poder;". Pelo que se observa do texto, não está
explicitamente demonstrado se podem, os cidadãos, peticionar só para si,
ou também o podem para outros. A nós nos parece que podem tanto para
si como para outros, pois se assim não fosse, o legislador, ter-lhe-ia
acrescentado sem dúvida o vocábulo pessoal, assim como o fez na
letra "b" do mesmo artigo e inciso. Sobre esse assunto,
podemos observar também os termos do artigo
654 "caput", do Código de Processo Penal.
Como a ação
de habeas corpus é de natureza informal, pois qualquer pessoa
pode fazê-la, não é necessário que se apresente procuração da vítima para ter
ajuizamento imediato. Ela tem caráter informal. Portanto, a ação tem
características bem marcantes, a se ver:
- Privação injusta de liberdade;
- Direito de, ainda que preso por "justa causa", responder o processo em liberdade.
Questão
controversa: É possível um juiz impetrar habeas corpus?
Segundo o
professor e doutrinador TOURINHO FILHO: "O Juiz
não pode impetrá-lo, a menos que ele seja o paciente".
No mesmo entendimento, segundo o relator
desembargador Leandro Crispim da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado de Goiás (TJGO), o artigo 654 do Código de Processo Penal
dispõe que “o habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu
favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público”, no entanto, de acordo
com os ensinamentos de Júlio Fabbrini Mirabete, na obra Código de Processo Penal Interpretado destaca-se: “Não é possível,
porém, que o funcionário impetre o habeas corpus no desempenho de
funções de comando ou de autoridade, e não como qualquer do povo. O mesmo se
diga do escrevente, que está proibido de postular em juízo, em benefício de réu
em processo que tramita por sua serventia. Também não o pode fazer o Juiz de
Direito, por proibição legal, já que tem por função precípua a de julgar. Pode
até concedê-lo de ofício, no curso de um processo em que tenha competência, mas
jamais impetrá-lo”.
Esse é o
entendimento majoritário, mas não o único. Há quem discorde desse entendimento,
por até mesmo, seguir o velho adágio de que "o juiz tudo pode"
e, pensar que, por outro lado, o juiz fora de sua jurisdição é um cidadão
comum (judex extra territorium
est privatus) e por isso, sem sombra de dúvida, o juiz
também pode impetrar. Evidentemente, não impetraria contra um ato
seu, pois não teria lógica, mas a favor de outro, contra outra
autoridade, baseando se no artigo 5º. inc. XXXIV, da Constituição Federal,
que lhe dá esse poder "são a todos assegurados" onde
não está aí excluída a figura do juiz. Da mesma forma, alguns entendem ser, sem
razão, a obrigatoriedade de o juiz recorrer de ofício, por ter agido, em seu
livre arbítrio, dentro da lei. Caberia aqui, a que outro recorresse, se achasse
que a decisão do juiz fora equivocada ou em desacordo com a lei. Agora ele
mesmo recorrer contra seu próprio ato, é sem dúvida, no mínimo, um tanto
cômico.
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